23.12.06

Homens são todos iguais — dizem as mulheres. Calma! Valho-me do discurso não para gerar discussão. Longe de mim! Não quero questionar dogmas tão internalizados nas concepções femininas (talvez até predisposição genética). Venho, aqui, concordar com um preceito básico e assumir minha condição masculina, naturalmente machista.

Sei que parece que estou tentando ser o novo Chico Buarque com esses papos de quem entende e concorda com as mulheres. Pensando bem, não vai adiantar. Vou arrumar briga. Pois muito bem, preparem-se para ler mais um clichê de quem mija de pé: eu dirijo bem. Muito bem, por sinal.

Falo isso sem pudor, mesmo, e daí? As principais referências automotivas que tenho, depois de Ayrton Senna, são meus pais, claro. Desde criancinha, com meu velocípede, fui desenvolvendo um senso de direção bem arguto. Projetava mentalmente várias manobras como passar por baixo das pernas de adultos ou descer pequenos lances de escadas com minha “motoquinha”.

Que as autoridades não leiam (e, se lerem, não há denúncia. Ah! Quem se importa?), mas meu pai começou a me dar a direção do carro quando eu tinha uns 7, 8 anos. Quando finalmente alcancei, por baixo, o final dos pedais e, por cima, visibilidade boa do que havia a minha frente, aos 10, 11 anos, comecei a dirigir sozinho. Morava em Macapá, nos idos de 1995. Viajávamos todo fim-de-semana para o Aporema, município de Tartarugalzinho, a mais de 200 km da capital — permitam-me o momento de nostalgia — e eu já ia dirigindo boa parte do trajeto. Mamãe só não deixava onde sabia que havia polícia rodoviária e nos trechos não-asfaltados.
Pensando bem, agora, eu não dirigia quase nada do trajeto inteiro. Ah, mamãe me ludibriou. Enfim, deixa pra lá! Na época, aquilo já era o máximo pra mim.

Passados alguns anos desenvolvendo aquela percepção que só saca mesmo quem dirige e que não ensinam na auto-escola, tornei-me um tanto pródigo em minhas ações ao volante. E não estou falando de manobras radicais, cavalos-de-pau ou rachas. Apenas percepções de trânsito e de condução veicular que me ajudam cada vez mais a não entrar em certas enrascadas ou aproveitar do carro aquilo que ele pode oferecer. Neste tempo, eu cresci. Costumo dizer a mamãe, o que não é surpreendente, que ela está encolhendo à medida que nós crescemos. Bobagem, claro. Brincadeirinha com ela. Mas qual não é a minha gabolice ao ouvir dela mesma, filha e irmã de motoristas, que eu sou quem dirige melhor na família. Melhor que isso? Até vovô diz.

Sei que este texto parece carta de auto-promoção pra conseguir emprego em algum blindado de político com ar-condicionado e trajetos curtos de centro de cidade. Mas não é. Trata-se de uma análise pseudo-complexa acerca das relações humanas. Afirmo tais falas com o seguinte relato:

Nesta noite de 22 de dezembro, sexta-feira, minha irmã apresentou um auto de natal com várias outras pessoas. Nossos pais e eu fomos assisti-la como família orgulhosa que somos. Eu estava cansado e pulei logo para o banco de trás, na ida. Meu pai pegou a chave e mostrou possíveis pontos em que a marcha não deveria ter entrado. Ele é bom nisso. Nunca entra no tempo do motor. Fora o hábito que entristece o carro e do qual ele se vangloria por parecer um macete, de passar da terceira para a quinta. Ah! Pra provar que era ruim até o fim ele precisava estacionar mal. E não é que me surpreendeu com tamanha habilidade para não conseguir entrar numa vaga?

Para quem pensa que somos uma família legal que não dá palpites na direção alheia, engana-se. Estes minutos engraçados foram recheados de reclamações de minha mãe. Ao chegarmos, ele foi peremptório: “Não dirijo mais!”.

Assistimos o auto de natal. Foi muito bonito. Maninha e colegas fizeram um trabalho primoroso, de belíssimo gosto. Um roteiro muito divertido que não vou contar aqui. Por que não foram assistir?

Ao voltarmos, mamãe assumiu as chaves, disparou o alarme que destranca as portas e entrou toda boçal enquanto meu pai perguntava por mim (suponho que intuía que eu dirigisse). Achei ótimo. Não queria dirigir mesmo.

Mamãe provou, no caminho de volta, o quanto desaprendeu desde que eu a assistia dirigir, ainda pequeno. Agora penso no fato de que, àquela época, eu não enxergava nada que não fosse o próprio carro e o céu. E o balançar dos carros é como um balanço de berços para os pequenos, não é verdade? O ruído da aceleração é como musiquinha de ninar.

Naturalmente, como todo casamento longevo (o que é bom!), um tira sarro do outro. E meu pai não perdeu a oportunidade de salientar todas as barbeiragens de mamãe. As mais engraçadas foram parar sobre a ciclofaixa, dobrar na parte errada do retorno e seguir em frente, na rua de casa, pela esquerda. Em via de mão-dupla, pensava eu que ela se contagiava por alguma influência britânica. Coisas de “lady” que já não quer mais dirigir. Enfim, chegar em casa foi um alívio.

E agora, com as férias de fim de ano da Universidade, Maninha freqüenta a auto-escola, faz os exames do DETRAN, ou seja, está tirando a sua habilitação. Torço para que ela não sofra a influência genética ou adquira, hereditariamente, os comportamentos relacionados à maneira de agir de nossos pais com seus sensos de direção e de compreensão do rendimento do motor. Pela lógica, não haverá surpresa se tivermos que desembolsar quilos de taxas do exame de trânsito. Mas acredito nela. Espero que tudo aconteça normalmente e tenhamos uma exímia motorista na família.

Precisamos desta nova motorista. Quantas madrugadas eu já não tive que irromper, incomodando o silêncio habitual, para buscá-la em festas, em casas de amigas, solenidades, enfim, um sem-número de situações que também vivencio e que não dão o mínimo de vontade de voltar pra casa dirigindo — não! Antes que pensem, eu não bebo —. Logo, logo, poderei pedir a ela que o faço por mim. Ah! Como eu espero...

Se é pela preguiça? Antes fosse. Meu medo mesmo é que ela dirija mal. Se assim for, terei todos os motivos pra crer no que mais temo, no mais óbvio: sou adotado.

2 comentários:

O Meio do Mundo disse...

Errata: no fim do penúltimo parágrafo "faço"* vira "faça".

Andressa Malcher disse...

como tás escrevendo bem!
considero o melhor texto que já escreveste...bem, acho que na verdade foi a primeira prosa que eu tenho conhecimento...mas considerando os versos que também são textos, ressalto que esse tá no topo da lista. engraçadíssimo!